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Discurso de posse da juíza federal Claudia Maria Dadico como diretora do Foro

By julho 6, 2017 No Comments

Saúdo todas as autoridades presentes na pessoa do Exmo. Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Saúdo todos os Magistrados e Magistradas presentes na pessoa do Presidente da AJUFESC, juiz federal Marcelo Micheloti. Todos os servidores e servidoras na pessoa darepresentante do Sindicato, Lusmarina Emília da Silva. Colaboradores terceirizados, estagiários, senhoras e senhores.

O convite feito por V. Exª, Senhor Presidente, enche-me de orgulho. Recebo-o com muita alegria, disposição para o trabalho e enorme senso de responsabilidade.

Nessa ocasião, em que escolho as palavras mais apropriadas para expressar grande significado de uma solenidade que, para mim, vai ainda além do essencial rito republicano de alternância do poder, proponho aos presentes uma reflexão inicial sobre o próprio ato do discurso.

Se alguém se dispõe a falar sozinho, perante as areias de um deserto, isso ainda seria um discurso? Sim, sem dúvida. Porque o discurso é, antes de tudo, diálogo que pressupõe a presença – real ou fictícia – de um Outro. A presença do Outro – aquilo que se costuma denominar como alteridade – define não apenas o próprio Ser Humano, mas é condição de sentido do discurso, como ensina Bakhtin.

O discurso, portanto, constrói-se entre pelo menos dois interlocutores, dois seres humanos.

Nessa manhã, em que sou investida no papel de representação da Justiça Federal de Santa Catarina, pergunto: Com quem a Justiça Federal de Santa Catarina dialoga? Atrevo-me a ir um pouco mais longe, quem são os interlocutores que definem o discurso que se constrói e vem sendo construído ao longo dos 50 anos de reinstalação da Justiça Federal?

Quem é o Outro da Justiça Federal?

O Outro da Justiça Federal pode ser o grande conglomerado econômico que busca discutir a constitucionalidade de tributos ou o pequeno empresário que vê seus bens penhorados em razão de obrigações de um sistema tributário que tributa pesadamente a produção.

O Outro pode ser o agente de poder – político ou econômico – que celebra acordo de colaboração premiada ou pode ser o morador de rua – privado de sua dignidade, muitas vezes confundido com a paisagem urbana – tem sua ação judicial extinta em razão da paradoxal impossibilidade de se cumprir uma intimação em um endereço residencial atualizado.

O Outro pode ser a pessoa que necessita de medicamentos ou tratamentos médicos que não consegue obter no sistema público de saúde, o réu na ação penal, o servidor, a pensionista, o ente público federal…

Enfim, a busca pelo Outro da Justiça Federal revela que esse lugar é ocupado por tantos, muitos, multifacetados. Pensar nessa miríade de sujeitos que podem ocupar o lugar do Outro da Justiça Federal é, na verdade, um exercício ético.

A busca simbólica pelo Rosto do Outro é, segundo o filósofo francês Emmanuel Levinas, uma das formas mais profundas de realizar esse exercício.

A abordagem do rosto é o mais básico modo de responsabilidade… O rosto não está de frente pra mim (en face de moi), mas acima de mim. (…) Minha relação ética de amor pelo outro está enraizada no fato de que o eu [self] não pode sobreviver sozinho, não pode encontrar sentido apenas em sua própria existência no mundo… Expor a mim mesmo à vulnerabilidade do rosto [do Outro] é colocar meu próprio direito (…) de existir em questão.

O que Levinas está nos dizendo é que num tempo de violência política, intolerâncias, aquecimento global, guerras e grandes deslocamentos populacionais o apagamento do Rosto do Outro pode conduzir à falência da ética e, no limite, à nossa própria derrocada enquanto gênero humano.

Esse exercício ético radical não se esgota na mera compaixão, piedade ou sentimento de pesar diante da vulnerabilidade do Outro. A lingua inglesa tem uma expressão muito feliz para designar essa ideia que é “calçar os sapatos do outro”. Ou seja, o exercício ético proposto pelo filósofo está atrelado ao resgate da noção de empatia, definida por Mary Gordon “como a arte de se colocar no lugar do outro por meio da imaginação, compreendendo seus sentimentos, suas perspectivas e usando essa compreensão para guiar as próprias ações”.

Uma jurisdição ou uma administração de modelo empático não se confunde em permissividade ou acolhimento incondicional de todas as pretensões. Reflete uma resposta qualificada pela mesma legitimidade que marcou avanços civilizatórios da Humanidade ao longo da história, tais como os movimentos de abolição da escravidão, da exclusão da tortura como meio de obtenção de prova, de melhores condições carcerárias e do reconhecimento dos direitos fundamentais como a espinha dorsal das Constituições contemporâneas.